O MM. Juiz do Trabalho Francisco Luciano de Azevedo Frota, Titular da MM. 3ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, acolheu pedido formulado pelo Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica e Profissional, e suspendeu as atividades presenciais no Colégio Militar de Brasília, pelos servidores públicos substituídos (técnico-administrativos e docentes), “até que sejam verificadas por perícia oficial, a ser designada por este juízo, a suficiência/eficiência das medidas sanitárias de segurança adotadas pelo estabelecimento de ensino para evitar a contaminação dos seus trabalhadores pela COVID-19”.
A decisão apontou que o Brasil tem mais de 4.600.000 pessoas infectadas com a Covid e com número de mortos pela doença superior a 139 mil, havendo ainda uma grande subnotificação, o que caracteriza uma enorme tragédia sanitária. Destacou que todos os protocolos internacionais indicam que o distanciamento social é a “medida mais eficaz para combater a contaminação, evitar o colapso da rede hospitalar, poupar vidas, enfim, reduzir os efeitos deletérios dessa doença ainda muito desconhecida em todo o mundo”.
Segundo o MM. Juiz, ainda que no Distrito Federal os dados apontem uma curva descendente no número de casos ou morte, os números ainda são altos e caracterizam uma “situação preocupante e que exige cautela, não sendo recomendável, prima facie, o relaxamento das medidas sanitárias de segurança”, e que justamente por isso o Governo do Distrito Federal adiou por prazo indeterminado o retorno das aulas na rede pública de ensino.
A decisão destaca dispositivos da Constituição Federal, da Convenção 155 da OIT e de outras normas que centralizam o direito à saúde do ser humano.
Diante disso, e compreendendo há riscos potenciais para os servidores que atuam no Colégio de Trabalho, que precisam ser devidamente avaliados e eliminados, e que os danos da suspensão das aulas presenciais têm sido mitigado em razão do ensino remoto, a decisão suspendeu as atividades presenciais e determinou perícia oficial, a fim de avaliar se as medidas sanitárias adotadas pelo Colégio Militar de Brasília são suficientes para evitar a contaminação dos trabalhadores daquela instituição pela Covid 19.
Veja a íntegra da decisão:
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO
3ª Vara do Trabalho de Brasília - DF
ACPCiv 0000756-98.2020.5.10.0003
AUTOR: SINDICATO NACIONAL DOS SERV.FEDERAIS DA EDUCACAO BASICA
E PROFISSIONAL
RÉU: UNIÃO FEDERAL (AGU) - DF
Vistos etc.
Trata-se de ação civil pública, com pedido de tutela provisória de urgência, proposta pelo SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES FEDERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA, PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA (SINASEFE) – SEÇÃO SINDICAL DO COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA em desfavor da UNIÃO (COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA).
O autor afirma representar os servidores públicos civis que atuam no Colégio Militar de Brasília, tanto docentes quanto técnico- administrativos, sendo a presente ação proposta em razão da determinação da ré de retorno ao trabalho presencial, não obstante a pandemia da COVID-19 (Informativo 68 que anuncia o retorno das atividades a partir de 21/09 /2020).
Segundo a inicial, os riscos de contaminação pela COVID-19 ainda são consideráveis, sobretudo no Distrito Federal, que tem o maior número de mortes por cem mil habitantes do país.
Ressalta que o próprio Governo do Distrito Federal já admitiu que o retorno presencial das aulas somente deve ocorrer em 2021, de acordo com notícias divulgadas na imprensa local.
Sustenta que o convívio em ambiente escolar entre crianças, adolescentes e adultos representa grande risco para vida de todos, eis que potencializa a possibilidade do contágio.
Destaca que o acordo judicial para retorno das aulas a partir de 21 de setembro foi específico para as escolas particulares do Distrito Federal, que não é o caso do réu, e ainda assim, observando um escalonamento ajustado pelas partes na ação trabalhista.
Invoca, ainda, a Portaria MEC nº 544, de 16 de junho de 2020, que autoriza as aulas à distância nas Universidades Federais até 31/12/2020.
Entende o autor que a determinação de retorno ao trabalho presencial dosservidores do Colégio Militar de Brasília, sejam os docentes ou pessoal de apoio administrativo, viola o direito à vida, razão pela qual é necessária a interferência do Poder Judiciário para garantir a incolumidade dos substituídos.
Adiciona argumentos jurídicos amparados na Constituição Federal, convenções internacionais, leis ordinárias e Parecer do MPF para fundamentar o direito vindicado, além de fazer referência aos estudos científicos a respeito da contaminação pela COVID-19, sustentando ser o isolamento social o único protocolo capaz de conter a disseminação do vírus.
Ressalta, ainda, o sindicato autor que já há mais de 140 vacinas em desenvolvimento no mundo, muitas em fase avançada de teste, sendo essencial que o retorno às atividades presenciais aguarde a imunização massiva da população para evitar colocar em riscos a vida de pessoas.
Suscita, também, a garantia constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho, como direito fundamental e desdobramento do direito à saúde, apontando a obrigação das entidades públicas e privadas de adotarem todas as providências para resguardar o cumprimento desse desiderato constitucional.
Por fim, destaca as orientações da Organização Mundial de Saúde para as tomadas de decisões de reaberturas de estabelecimentos de ensino, bem como, relata o que deve ser observado pelo Colégio Militar de Brasília como medida de prevenção quando do retorno das atividades presenciais.
Pugna, pois, pela concessão de tutela provisória de urgência, na esteira de jurisprudências citadas, para que sejam imediatamente suspensas as atividades presenciais enquanto perdurar a pandemia ou houver a imunização da população pela vacina.
Sucessivamente, requer a tutela provisória para determinar que o retorno dos substituídos somente ocorra a partir do cumprimento de todas as medidas sanitárias tratadas no tópico 3 da inicial, sob o título “Da redução dos riscos inerentes ao trabalho enquanto direito social fundamental de todos e dever do Estado”, a serem comprovadas por perícia oficial.
Decido.
Inicialmente, importa esclarecer que a competência material para decidir a lide, não obstante tratar-se de ação movida por sindicato, na condição de substituto processual de servidores públicos federais, é da Justiça do Trabalho, na forma do que já preconiza a súmula 736 do STF, verbis:
“Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.
No caso presente, o objeto da ação está diretamente relacionado à proteção do meio ambiente laboral, mais especificamente com a proteção da saúde dos servidores do Colégio Militar de Brasília.
O art. 300 do CPC possibilita a concessão inaudita altera pars de tutela de urgência sempre que “houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”.
Consta das fls. 100 (pdf) dos presentes autos o Informativo nº 68 do Colégio Militar de Brasília (CMB), dirigido aos pais, alunos e profissionais daquela unidade de ensino, com o cronograma de retorno às atividades presenciais a partir desta semana (semana de 21 a 25 de setembro) para o ensino médio e fundamental, observando-se uma alternância definida pela escola, que fraciona dia a dia o comparecimento dos alunos, de acordo com a série matriculada.
O documento emitido pelo Exército Brasileiro – Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (Diex nº 576-Seç Ens/DEPA – Circular), de 15 de setembro de 2020, determina que todos os Colégios Militares do país deverão retomar as atividades presenciais a partir de 21 de setembro, de forma escalonada, com doze dias de aulas para o ensino fundamental e 16 dias de aulas para o ensino médio no ano de 2020, observando-se os protocolos sanitários (documentos de fls. 103/107 pdf).
Em razão da decisão administrativa adotada pelo réu, o sindicato autor trouxe aos autos decisões judiciais determinando a suspensão das atividades presenciais em outros Estados da federação, tais como no Colégio Militar de Belo Horizonte (decisão da 3ª Vara Federal Cível de Minas Gerais, datada de 18/09/2020, conforme fls. 119/122 pdf) e no Colégio Militar do Rio de Janeiro (decisão da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro, datada de 18/09/2020, fls 111/117 pdf).
Pois bem.
É inconteste a prova do retorno às atividades presenciais determinadas pelo réu já a partir de 21 de setembro de 2020, seguindo orientação estabelecida pelo Exército Brasileiro a todos os Colégios Militares do Brasil.
O mundo, desde o final do ano de 2019, mas com intensidade a partir do ano de 2020, convive com uma pandemia trazida pelo vírus da COVID-19, que, até o momento, já infectou mais de 31 milhões de pessoas e levou a óbito praticamente um milhão de seres humanos (dados da OPAS/OMS – undefined, de 23/09/2020).
Segundo dados divulgados pelo site G1 em 23/09/2020, o Brasil já tem mais de 4.600.000 (quatro milhões e seiscentos mil) infectados e um número de mortos que supera a casa dos 139 mil, com registros de 906 óbitos nas últimas 24 horas (informações extraídas do consórcio de veículos de imprensa, a partir de dados das secretarias estaduais de saúde).
Importante pontuar que esses números oficiais mascaram uma enorme subnotificação, considerando que o Brasil não realizou testagem em massa capaz de identificar o quantitativo real de infectados e de mortos pela doença.
Mas o certo é que o mundo, e o Brasil de forma especial, está vivenciando uma enorme tragédia sanitária, que tem ceifado muitas vidas e comprometido a saúde de muitos seres humanos.
Todos os protocolos internacionais indicam que o distanciamento social é a medida mais eficaz para combater a contaminação, evitar o colapso da rede hospitalar, poupar vidas, enfim, reduzir os efeitos deletérios dessa doença ainda muito desconhecida em todo o mundo.
“O distanciamento social é uma das medidas mais importantes e eficazes parareduzir o avanço da pandemia da covid-19. A doença é causada pelo vírus SARS-CoV-2, mais conhecido como o novo coronavírus. A transmissão ocorre de pessoa para pessoa, pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como: gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos (texto extraído do blog informativo a respeito do coronavírus, da Secretaria de Saúde de Minas Gerais - undefined)
O próprio STF, em julgamento conjunto das ADI’s relacionadas à COVID-19, fixou entendimento, em voto da lavra do eminente Ministro Roberto Barroso, no sentido da imprescindibilidade do isolamento social para conter o avanço da doença. Vale citar um trecho do substancioso acórdão, verbis:
“[…]
21. […] O isolamento social é a recomendação pacífica das autoridades sanitárias de todo o mundo. Não há alternativa, porque, se muitas pessoas contraírem a doença ao mesmo tempo, o sistema de saúde não suportará. Em alguns lugares, já não está suportando. O isolamento continua a ser a medida recomendada e praticada pelos países onde o combate à doença deu certo, para contornar a ascensão da curva. [...]” (ADI-S 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428 e 6431, Rel. Ministro Roberto Barroso)
No Distrito Federal, ainda que os dados recentes indiquem uma curva descendente em relação aos infectados e às mortes, todas as fontes científicas afirmam que se trata apenas de uma radiografia do momento, mas não se descarta um agravamento do quadro trazido por novas ondas de infecção, como aliás tem ocorrido em alguns países da Europa. A quebra do distanciamento social, por meio do retorno de atividades presenciais, representa evidentemente um fator de risco para esse potencial recrudescimento.
De acordo com dados de ontem (23/09/2020) divulgados pelo jornal Correio Braziliense, o Distrito Federal teve mais 705 casos de pessoas contaminadas e 17 óbitos notificados nas últimas 24 horas, o que revela que ainda se convive com uma situação extremamente preocupante e que exige cautela, não sendo recomendável, prima facie, o relaxamento das medidas sanitárias de segurança. (undefined /cidades-df/2020/09/4877418-covid-19-df-registra-17-vitimas-nesta-quarta-feira-e-atinge-3-148mortes.html)
É certo que o Governo do Distrito Federal, por meio do Decreto 40.939, de 02 de julho de 2020, autorizou as atividades presenciais nos estabelecimentos educacionais do Distrito Federal, com a observância dos protocolos sanitários e medidas de segurança previstas no próprio ato normativo e em seu Anexo Único (fls. 108/110 pdf).
Entretanto, o próprio Governo do DF reavaliou a sua medida em relação às escolas públicas, adiando por prazo indeterminado o retorno às atividades presenciais que estavam previstas para 31/08/2020, conforme notícia divulgada no site oficial do governo em 19 /08/2020 (undefined):
“A retomada do calendário escolar presencial da rede pública do Distrito Federal está adiada. Com data de referência para 31 de agosto, o retorno gradual dos alunos para as salas de aula vai ficar para depois. A decisão foi tomada como forma de precaução, para evitar o aumento de contaminações pela Covid-19 a partir do convívio de crianças, adolescentes e adultos no ambiente escolar. A nova data será definida de forma que garanta a segurança de todos.
A informação foi divulgada na tarde desta quarta-feira (19) em coletiva de imprensa no Palácio do Buriti. “A decisão é fruto de grande debate com escolas, comunidade escolar e com observação científica da evolução da curva da pandemia. A data era de referência, mas neste momento, apesar de as escolas estarem prontas para o retorno, isso será adiado pela vida e saúde de todos”, declarou o secretário de Educação, Leandro Cruz, que se reuniu virtualmente com gestores de 686 colégios na manhã desta quarta.
De acordo com ele, o comportamento da pandemia seguirá em acompanhamento para que as providências de retorno às aulas presenciais sejam tomadas de forma segura. Ainda não há data definida para o retorno presencial. Continua em vigor o Decreto 40.939, de 2 de julho de 2020, que autorizou a retomada a partir de 3 de agosto, deixando a organização do calendário a critério da Secretaria de Educação. “Mesmo o decreto possibilitando a volta, só faremos quando estivermos em condições epidemiológica perfeitas para isso”, avisou o titular da Educação.
”
Portanto, resta evidente que o Distrito Federal ainda convive com um quadro de riscos e incertezas em relação à pandemia trazida pela COVID-19, circunstância que exige de todas as autoridades públicas, e da sociedade em geral, a manutenção das medidas e de protocolos de segurança para evitar maior disseminação do vírus.
O art. 225 da Constituição Federal assegura a todos o “direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
A tutela constitucional focaliza o meio ambiente em todas as suas vertentes: natural, artificial, cultural e do trabalho. E quando estabelece o direito a um meio ambiente equilibrado, está garantindo, no âmbito das relações laborais, que aos trabalhadores seja assegurado um ambiente de trabalho adequado e seguro, que lhes possibilite uma qualidade de vida sadia.
É importante destacar que todo direito ambiental se pauta pela preservação do direito à vida (art. 5º, CF), que é o bem maior do ser humano, daí decorrendo o direito à saúde (art. 6º, CF), elevado também ao patamar de direito fundamental.
Nesse contexto de proteção ambiental, o art. 7º, inciso XXII, da CF estabelece como direito social a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. E qual a dimensão desse comando constitucional? O trabalhador tem direito a não correr riscos no trabalho, sejam físicos, químicos, biológicos, fisiológicos ou psíquicos.
Essa também é a leitura que deve ser feita do art. 4º da Convenção 155 da OIT, que prevê a obrigação do empregador de eliminar o risco ambiental, ou, quando não for tecnicamente possível a sua eliminação, deve neutralizá-lo ao máximo até níveis toleráveis pela saúde humana, verbis:
“Art. 4 — 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho.
2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem conseqüência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho.”
A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
aprovada na Conferência das Nações Unidas realizada na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1992, estabeleceu em seu Princípio 15:
“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
Essa norma internacional trouxe à luz o princípio de Direito Ambiental denominado de princípio da precaução, que se distingue do princípio da prevenção, embora sejam raízes de um mesmo tronco.
O princípio da precaução enuncia que, sempre diante da possibilidade de um dano ambiental grave ou irreversível (risco potencial), devem ser adotadas as medidas necessárias para preveni-lo, mesmo quando se verifica ausência de certeza científica absoluta.
A hipótese concreta trazida na inicial impõe a aplicação direta do princípio da
precaução, pois são iminentes os riscos que correm os servidores, assim como os alunos, do Colégio Militar de Brasília com o retorno das atividades presenciais em 21/09/2020, considerando que passaram a compartilhar de um mesmo ambiente físico, o que eleva a possibilidade de contágio da doença.
Mesmo que sejam riscos potenciais, há necessidade de eliminá-los antes que possam ocorrer danos concretos à saúde dos servidores (foco central da presente ação), priorizando-se, assim, o direito à vida que, no âmbito laboral, depende de um meio ambiente seguro e adequado, sem exposição a eventos potencialmente danosos.
Ainda que se possa argumentar que o réu está adotando todas as medidas de segurança, seguindo os protocolos sanitários estabelecidos, não há elementos nos autos capazes de evidenciar que são providências suficientes do ponto de vista técnico sanitário. O que se tem de concreto é que os riscos à contaminação permanecem e que não há nenhum sinal científico claro de que a retomada de atividades presenciais seja adequada no momento, considerando o quadro grave da pandemia que ainda persiste no Brasil, especialmente no Distrito Federal, conforme dados expostos.
Faz-se necessária uma prova técnica para avaliar a suficiência e a eficiência das medidas sanitárias eventualmente adotadas pelo Colégio Militar de Brasília para o retorno de suas atividades presenciais, vistos que, na hipótese presente, a presunção é a da permanência do risco, o que exige ações imediatas para afastá-lo, priorizando-se, dessa forma, a saúde e a vida das pessoas, que são bens constitucionalmente tutelados.
Evidente que a cessação de atividade presencial nos estabelecimentos de ensino traz algum prejuízo para a formação educacional dos alunos, mas esse efeito danoso pode ser mitigado pelo ensino remoto, como já vem sendo adotado por diversas escolas e universidades públicas e privadas do país.
O que não pode ser colocado em risco é a vida e a saúde das pessoas, porque
são direitos fundamentais inderrogáveis, indisponíveis, e ainda, irrecuperáveis quando atingidos.
E vale mais uma vez invocar o precedente do STF que, nos fundamentos do voto
prevalecente que julgou as ADI’s relacionadas com a COVID-19, ratificou a aplicação dos princípios da prevenção e da precaução, estabelecendo que, em havendo dúvida, deve se fazer a opção pelo resguardo da vida. Vejamos trecho do acórdão:
“29. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece, ainda, que em matéria de proteção à vida, à saúde e ao meio ambiente, as decisões adotadas pelo Poder Público sujeitam-se aos princípios constitucionais da prevenção e da precaução. Havendo qualquer dúvida científica acerca da adoção da medida sanitária de distanciamento social – o que, vale reiterar, não parece estar presente – a questão deve ser solucionada em favor da saúde da população. Em português mais simples, significa que, se há alguma dúvida, não pode fazer. Se há alguma dúvida sobre o impacto real que uma determinada substância, um determinado produto, ou uma determinada atuação vai provocar na saúde e na vida das pessoas, o princípio da precaução e o princípio da prevenção recomendam a autocontenção. [...]” (ADI-S 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428 e 6431, Rel. Ministro Roberto Barroso)
Essa é a situação que se impõe a esse julgador: decidir entre prevenir uma potencial ofensa aos bens jurídicos da vida e da saúde e a continuidade das atividades presenciais no estabelecimento de ensino da ré.
O quadro fático da pandemia já analisado aponta no sentido de que o retorno de
uma escola às atividades presenciais nesse momento representa riscos reais para a saúde dos trabalhadores e dos alunos. No sopesamento dos valores em jogo, mesmo diante de eventual dúvida, deve prevalecer o respeito à saúde e à vida.
Portanto, há no caso concreto, tendo em vista todos os fundamentos aduzidos, a
presença dos requisitos autorizadores da concessão de tutela provisória de urgência, sobretudo considerando que o direito dos servidores e trabalhadores em geral a um meio ambiente de trabalho seguro tem guarida constitucional e amparo em normativos internacionais, devendo ser preventivamente afastada qualquer possibilidade de danos à saúde ou de riscos à preservação da vida (princípio da precaução).
Pelo exposto, DEFIRO a tutela de urgência para determinar a imediata suspensão de atividades presenciais no Colégio Militar de Brasília pelos servidores públicos substituídos (técnico-administrativos e docentes), até que sejam verificadas por perícia oficial, a ser designada por este juízo, a suficiência/eficiência das medidas sanitárias de segurança adotadas pelo estabelecimento de ensino para evitar a contaminação dos seus trabalhadores pela COVID-19.
Em caso de descumprimento da decisão, fixo multa diária de R$15.000,00 (quinze mil reais), além das demais penalidades legais decorrentes de descumprimento de ordem judicial.
O Colégio Militar de Brasília, diretamente, assim como a UNIÃO, por meio da Advocacia-Geral da União (PRU-1ª Região), deverão ser intimados para ciência e cumprimento urgente da presente decisão.
As intimações deverão ser cumpridas por mandado, com absoluta urgência.