Grijalbo F. Coutinho
Autor Associado da Amatra 10
Capítulo I - Maria e João, o único casal monogâmico do Asa Delta
Observando desde 2019 as capivaras do parque Asa Delta de Brasília-DF, agradável lugar para relaxar, meditar, namorar, caminhar e correr, devo relatar que enxerguei coisas muito interessantes!
O casal da cena 1 é Maria e João, com os seus filhotes Sossegadinho, Sapequinha e Zumbinha!
O casal Maria e João é o único monogâmico do Asa Delta!
Não se relaciona, nem por intermédio de encontros fortuitos, com outras capivaras!
O casal imponente de capivaras está sempre na mesma área territorial!
Aproveita fração diminuta do parque, em nome da segurança familiar!
Não há nada que possa desgrudá-lo um do outro, sequer por minutos!
Acompanho Maria e João há dois anos, aproximadamente, até agora, finalzinho de março de 2023!
Nesse período de quase dois anos, isolados de todas as capivaras do parque, os vi diversas vezes namorando dentro das águas geladas do Lago, com saltitantes brincadeiras, trocando carinho na grama e curtindo o mais lindo pôr do sol naquele entardecer deslumbrante repleto de muito amor!
Nunca faltou alegria e fôlego ao jovem casal capivara!
Depois de tanto namoro, sem tomar conhecimento dos grandes grupos de capivara do Asa Delta, Maria e João tiveram recentemente três filhos: Sossegadinho, Sapequinha e Zumbinha!
São as belezas encantadoras da foto da cena 1.
A família cresceu, pois três filhos nasceram de uma vez só, depois do namoro cheio de paixão de Maria e João!
Ocupam área restrita do Asa Delta, um pouco distante do “habitat” do grande grupo!
Adoram tomar sol sentados na larga parede de pedra da foto da cena 1.
Quando estava me aproximando para fazer a melhor foto da família, Maria não gostou, logo reagindo com a sua inconfundível irresignação estridente de mãe protetora forte, exigindo, com total razão, o meu afastamento do lugar!
Depois, a família unida saltou para o mergulho no Lago, todos de uma vez!
Que cena linda!
Maria e João, corajosos, escaparam furtivamente da manada para o romance que Romeu e Julieta perseguiram concretizar, mas não alcançaram!
Na manada, diga-se, há apenas um macho dominante, o macho alpha, que expulsa todos os demais “homens adultos” do grupo!
Somente um valentão reina em cada grande grupo de capivaras!
Maria e João, ainda jovens, largaram a manada para viver a louca e arrebatadora paixão que jamais seria autorizada pelo dono do pedaço!
Capítulo II - Tonhão, o solitário degredado
Personagem singular do Asa Delta, Tonhão, o solitário degredado, capivara da foto da cena 2, é acompanhado por mim há quase quatro anos!
Ele ocupa ou é visto apenas em uma faixa estreita de terra e água do Lago, no Asa Delta, optando pelo lazer em local quase inacessível por outros de sua espécie!
Está sempre sozinho!
E não há dúvida quanto a sua condição de macho, conforme destacado sinal escuro na cabeça (“proeminência glandular de coloração escura e totalmente desprovida de pelos”)!
O bom sujeito solitário não convive há quatro anos com qualquer capivara!
Foi expulso da manada pelo macho alfa!
Aliás, pode ter sido ele o próprio macho alfa, outrora!
Idoso, apanhou do jovem macho pra valer, tendo recebido como resposta à tentativa de continuar reinando, incrível, a dolorida pena do desterro e da solidão para sempre!
Para sobreviver, aceitou a severa punição de seus pares ou do seu rival mais vigoroso!
Tonhão é uma figura aparentemente triste!
Vive a dormir e descansar!
Algumas vezes, de tão relaxado que se apresenta, parece ter descansado eternamente!
Ao solitário degredado, é fato, ninguém oferece compaixão, muito menos perdão!
Tonhão, o solitário degredado, velho rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior, apesar de tudo que a vida tem lhe reservado nos últimos tempos, ainda acha que tudo é divino, tudo é maravilhoso!
Tonhão, o solitário degredado, é muito mais solitário do que o seu ídolo na poesia e na música foi nos últimos anos de vida, o genial cearense Antônio Carlos Gomes Belchior, simplesmente o imortal Belchior!
Tonhão, sob outra perspectiva, é o personagem liberto de todas as opressões!
Vive sozinho, feliz ou não, sem ter que dar satisfação da hora da chegada ou da saída!
Toma todas, nada e mergulha no lago a seu bel prazer, muda o horário do jantar, acorda depois das 11:00 horas e ainda grita, Liberdade, Liberdade, tenho comigo para sempre!
Quando olham para ele com piedade, pelo isolamento e pela falta de qualquer companhia, Tonhão reage evocando o seu ídolo que partiu em 2017:
"Saia do meu caminho
Eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam
De que lado nasce o Sol
Porque bate lá meu coração".
Definitivamente, Tonhão, o solitário degredado, é mais do que a reclusão imposta!
É um estilo de vida capivara singular!
Capítulo III - Sheik Abdula, o insaciável malvadão
Na cena fotográfica 3, há destaque para o grande bando de capivaras descansando, a maior e mais faceira manada do Asa Delta!
O grupo é liderado pela força física do macho alpha Sheik Abdula, o insaciável malvadão, que tem 18 esposas e 15 filhos ainda sob a sua guarda!
O seu harém cresce vertiginosamente, ano a ano!
Nenhum outro macho ali permanece depois de dois anos de idade, salvo raríssimas exceções de plena subserviência ou da completa falta de atrevimento voltada ao namoro ou acasalamento com qualquer uma das esposas do grande chefe!
Severo, o manda chuva do pedaço impõe aos seus adversários derrotados a humilhação da solidão eterna ou a válvula de escape para se tornar presa fácil do predador mais impiedoso do cerrado, o ser humano!
Autoritário, Abdula, nas horas importantes é guiado pelas fêmeas da manada, que cuidam com zelo dos filhotes, escolhem os melhores pastos/ capins para esses roedores e as águas mais limpas, profundas e largas a serem destinadas aos subaquáticos amigos íntimos de carrapatos muitas vezes fatais para os humanos!
O forte do Sheik Abdula, o insaciável malvadão, é procriar, além de, nas horas vagas, enviar joias caras aos seus amigos facilitadores de grandes negócios subaquáticos!
O seu tempo de reinado não é para sempre!
Evapora-se totalmente com o surgimento de outro capivara macho mais forte capaz de expulsá-lo do grupo!
Enquanto o seu prazo de validade de grande macho não é atingido, Abdula, o insaciável malvadão, empurra os adversários para o abismo, namora todas as fêmeas, deita, rola e sorri como se não houvesse amanhã na terra do Planalto Central!
Capítulo Final (IV) - Felizes, Infelizes e o tormento da TPV da capivara macho
A partir de olhares atentos sobre a doce vida capivara no Asa Delta, é possível chegar a algumas conclusões.
I) A família monogâmica capivara é uma raridade, verificada apenas quando a paixão supera todos os riscos, o que vai exigir, sempre, uma fuga para lugar distante dos grandes bandos!
II) O isolamento e a solidão eterna, entre as capivaras, é aplicável apenas a machos que perderam o poder, considerando a chegada da velhice, não havendo, é certo, quaisquer valores no mundo subaquático que os façam conquistar jovens capivaras sedutoras!
III) No universo capivara, o capim ou a grama, bem muito valioso, que não pode ser acumulado além do que cabe na barriga, jamais transforma as figuras, muito menos o charme da maturidade masculina encanta as jovens capivaras!
IV) Os machos mais velhos e fracos das forças físicas da espécie capivara estão quase sempre condenados à solidão ou a um estilo de vida Tonhão!
V) Seja qual for a idade, as capivaras fêmeas jamais vivem ou morrem na solidão, vez que são cortejadas até o último dia de vida, além de amadas por filhos, netos e outros parentes, tornando se ainda mais sábias na velhice!
VI) Entre a turma capivara, somente os “homens” são condenados à indesejável solidão e ao isolamento, seja por fraqueza física ou velhice!
VII) A função mais importante do macho capivara é procriar!
VIII) Quem cuida dos filhotes e escolhe os melhores caminhos para a alimentação e o lazer são as fêmeas;
IX) As velhas capivaras jamais aceitam fugir do bando para a vida monogâmica com os machos velhos capivara, pois não sabem elas o que é a vida sem a sociabilidade do grande grupo, sem os carinhos e a proteção de todos até o último dia de vida!
X) É completamente desconhecido, no mundo capivara, qualquer caso de TPM entre as fêmeas, vez que estão sempre felizes e exultantes!
XI) Ao contrário do que se passa com as fêmeas, na sociedade capivara há uma terrível doença de origem depressiva que acomete, invariavelmente, 9 entre cada 10 capivaras machos de idade quase avançada, doença abreviada pela sigla TPV, tensão pré-velhice, que dilacera os machos capivara a partir dos 15 anos de idade, considerando a expectativa de 20 anos de vida dessa espécie animal!
XII) Na TPV, a tensão pré-velhice, os machos capivara perdem vigor, sentem-se ameaçados o tempo todo!
XIII) Diante da ausência de grama vigorosa mágica para o reestabelecimento de forças, quando não fogem para viver no isolamento, esses outrora valentes machos capivara, entregam-se facilmente ao primeiro predador, enquanto outros desistem do alimento sagrado ou mergulham em águas profundas sem o retorno à terra firme!
XIV) A TPV é o mal do século da espécie macho capivara!
XV) As lutas por sexo e poder se confundem na sociedade capivara, não havendo uma sem a outra, freudianamente falando!
XVI) Nota-se que no mundo capivara, sem a magnetização capitalista ou a concentração de poder econômico nas mãos dos “homens”, os traços mais fortes do machismo e do patriarcalismo arrefecem, amolecem ou quase sucumbem!
XVII) A vida capivara é doce, embora também esteja cercada de percalços e riscos cotidianos.
XVIII) Viver é muito saboroso e perigoso para qualquer espécie, bastando viver para saber o que é doce e o que é amargo, mais amargo, evidentemente, para os desprovidos de qualquer poder!
Depois de tudo isso, escolha a capivara mais feliz ou mais infeliz dos três grupos encontrados no Asa Delta!
Melhor dizendo, quem você queria ser entre os ricos personagens da cena capivara do Asa Delta do Lago?
A) Maria e João, a família monogâmica, com os seus filhotes Sossegadinho, Sapequinha e Zumbinha!
B) Tonhão, o solitário degredado!
ou
C) Sheik Abdula, o insaciável malvadão, com as suas 18 esposas e 15 filhos!
Façam as suas apostas, digo, escolhas!